quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Memórias do cárcere

Mais um dia. A carcereira se foi, pelo menos por enquanto. Ao preso só resta olhar pela janela e ver a vida acontecer lá fora, sem a sua presença e sem a sua autorização.

O preso passeia com os olhos sobre os corpos esguios das mulheres que vê de dentro da prisão. Chega quase a sentir-lhes os cheiros enquanto fita, inebriado, os segredos sugeridos pelos cofrinhos à mostra. Imagina-lhe os mamilos róseos, a quantidade de pêlos que lhes orla os grandes lábios abertos em flor. Ele não demora, contudo, a passar da euforia à frustração. Logo ele se lembra que, desde o encarceramento, o olhar se transformara em sua primeira (muitas vezes, única) zona erógena.

A primeira grade a se interpor entre o preso e aqueles corpos femininos repletos de possibilidades se mostra demasiado frágil e mais frágil vai ficando a cada dia. É o voto de eterna fidelidade feito diante de um padre e de uma comunidade inteira, ao qual o preso mostra cada vez mais disposição de transformar em letra morta.

Outros, porém, são os obstáculos. As delícias com que essas mulheres lhe acenam também ficam cada vez mais distantes por conta das cicatrizes do matrimônio: A barriga enorme, cultivada em muitos almoços em família, aos quais o preso foi arrastado contra a sua vontade e a calvície acentuada, fruto das muitas discussões com a carcereira e dos problemas intrínsecos à adaptação ao cárcere matrimonial.

Ainda que estes outros muros pudessem ser vencidos, ainda restaria ao preso uma última barreira: com as mulheres em liberdade que ambiciona, ele já não compartilha de gostos, assuntos e afinidades. Uma simples conversa já traria a tona tal obstáculo, quase que intransponível.

O passeio pelos vãos de um corpo feminino jovem e bem feito não são, entretanto, os únicos prazeres perdidos com o encarceramento. A lista é infindável: o tempo e a disposição para a prática desportiva, as apaixonadas discussões políticas, o dinheiro sobrado ao fim do mês, as bebedeiras em companhia dos amigos... Ah, a amizade! Sentimento que as mulheres nunca entenderão por conta da vaidade, da falsidade e da competitividade que lhes são impostas, tanto pela biologia quanto pela cultura.

Para o preso, tão triste quanto o cárcere em si é ver os antigos convivas a gozar livremente de todos os prazeres a que ele não tem mais acesso...

E as agruras do cárcere não se limitam à perda da liberdade. Há ainda os trabalhos forçados, como as reuniões em que a carcereira exige a presença do preso. Quando pensa que irá desfrutar de um dos poucos prazeres que o encarceramento permite, o recolhimento, eis que é levado o preso para um evento com gente que ele não conhece e não quer conhecer. Ou gente que ele conhece, mas gostaria de jamais ter conhecido. E, em meio aos comentários reacionários e brigas constantes dos parentes da carcereira, lá está o preso, tendo, como única fonte de entretenimento, o gosto televisivo indigente de seus anfitriões.

E assim se passa mais um dia.