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Na mentira me refugio. É do alto de uma mentira hospitaleira que nego um tostão para as mãos estendidas com as quais me deparo todos os dias. É na mentira que escondo a falta de coragem em largar um emprego estúpido e mal-remunerado, depreciador de minhas qualidades, onde minha dignidade é rebaixada cotidianamente. Sob uma pilha de mentiras eu oculto minhas insatisfações conjugais, ao mesmo tempo em que cultivo uma pilha de fantasias sexuais incompreendidas, repletas de mulheres outras que não aquela à qual jurei fidelidade um dia.
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A casa, o trabalho, a rua, todo lugar é o lugar da mentira, cuja armadura inexpugnável se apresenta até mesmo diante das pessoas mais próximas. Dos familiares, da companheira, dos amigos e dos inimigos.
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Mentira, hipocrisia, farsa, encenação. Há muitos nomes para isso, embora a maioria ainda prefira chamar de normalidade.