sexta-feira, 9 de outubro de 2009

O refúgio da máscara

Confesso que menti. E minto ainda. E mentirei até o fim dos meus dias, na medida em que a verdade me oprime, me esmaga e me incomoda com a profundidade de uma dor física. A verdade me confronta com minhas humanidades limitadoras, com a patológica incapacidade que tenho de adaptação a um mundo que não entendo e diante do qual me sinto cada vez mais um estorvo, um desvio.
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Na mentira me refugio. É do alto de uma mentira hospitaleira que nego um tostão para as mãos estendidas com as quais me deparo todos os dias. É na mentira que escondo a falta de coragem em largar um emprego estúpido e mal-remunerado, depreciador de minhas qualidades, onde minha dignidade é rebaixada cotidianamente. Sob uma pilha de mentiras eu oculto minhas insatisfações conjugais, ao mesmo tempo em que cultivo uma pilha de fantasias sexuais incompreendidas, repletas de mulheres outras que não aquela à qual jurei fidelidade um dia.
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A casa, o trabalho, a rua, todo lugar é o lugar da mentira, cuja armadura inexpugnável se apresenta até mesmo diante das pessoas mais próximas. Dos familiares, da companheira, dos amigos e dos inimigos.
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Mentira, hipocrisia, farsa, encenação. Há muitos nomes para isso, embora a maioria ainda prefira chamar de normalidade.