sábado, 26 de janeiro de 2008

A grande noite

Ele não gostava de mulheres. Não, nenhum traço de homossexualidade, longe disso. Pelo contrário, ele apreciava sobremaneira a pele macia, os pés delicados e o cheiro único, diferente em cada uma, que as mulheres têm na lateral do pescoço, um pouquinho antes da nuca. Sentia um prazer indescritível ao ver a maneira como os mamilos se eriçavam ao toque de uma língua úmida. Nada o fazia sentir-se tão vivo quanto a resistência oferecida pelas ancas firmes de uma mulher bruscamente penetrada, numa deliciosa sensação de conquista e posse. Gostava de sorvê-las, de degustá-las, num elaborado processo que envolvia todos os sentidos e transcendia em muito o ato sexual em suas formas mais básicas.

Mas não gostava de mulheres. Não gostava de lidar com elas fora dos limites da alcova. Seu temperamento inquieto irritava-o e a irritação só fazia crescer com a constatação de que não podia, fisicamente falando, passar sem elas. Odiava a maneira obstinada com que elas dedicavam tanto tempo e dinheiro a coisas absolutamente fúteis, como revistas de fofocas ou acessórios de beleza.

A vaidade feminina, aliás, o exasperava ao extremo. Ele bem sabia que todas aquelas horas gastas em cabeleireiros e esteticistas não eram para ele, longe disso. Muito mais do que seduzi-lo, a obsessão por quilos a menos e cabelos mais lisos e brilhosos destinava-se a impressionar as falsas amigas com quem todas as mulheres vivem a rivalizar. Também o irritava a dificuldade que as mulheres têm em dedicar-se a atividades que exigem muita elaboração. Não é a toa que alguns dos assuntos mais tratados em mesas de bar, como futebol ou política, exigem público exclusivamente masculino para serem bem desenvolvidos.

Acima de tudo, porém, saía do sério com a absoluta falta de critério com que as mulheres escolhiam seus parceiros. A preferência das fêmeas por tipos tão ricos e vistosos quanto descerebrados fazia com que, muitas vezes, ele fosse preterido em favor de algum idiota de abdômen delineado. Ele bem sabia que sua inteligência, longe de impressioná-las, as aborrecia. Que suas refinadas preferências culturais eram mais motivo de piada que de admiração. Que em lugar de entregar-se a homens como ele, elas, na maioria das vezes, entregavam-se a homens bonitos e de bolsos cheios.

Mas lá no fundo do seu subconsciente, nos armários escuros e bagunçados de sua alma, ele acalentava um sonho. Secretamente, sonhava em vingar-se das que fizessem tal escolha. De pegar uma das mais bonitas e emproadas e submetê-la a força, mostrando o que ela perdia em preteri-lo.

Quem sabe não é hoje a grande noite? É começo do ano, época em que a maioria das pessoas pensa em pôr em prática resoluções de mudança de vida. Resolvido a vingar-se das mulheres como um todo, ele pode estar em qualquer lugar, espreitando, a espera de sua eleita.

Talvez até numa esquina perto de você.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Muro das lamentações

Esse é o meu muro das lamentações. Meu espaço de resmungos e choramingos, onde eu brinco de escritor maldito e treino a minha pose de artista atormentado e depressivo para as matérias de segundo caderno.

Daqui, farei a apologia de um modo de vida desregrado, regado a sex, drugs and rock’n roll. Morrerei cedo, se não de overdose, afogado no oceano da minha pretensão. Engasgado com um ego gigantesco, que tentarei disfarçar, sem sucesso, com doses de reclusão muito bem calculadas. Em meio a porres homéricos, lamentarei, sozinho ou entre meus pares, não ser tão lido quanto o Paulo Coelho ou o Lair Ribeiro, aqueles merdas.

Há quem nasça para ser médico, engenheiro, advogado ou jogador de futebol. Eu nasci para ser incompreendido.