terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Saudades da bomba derradeira


Há alguns anos se dizia
Que o mundo acabaria
Ao simples toque de um botão
*
Era a bomba derradeira
Cuja atômica poeira
Levaria-nos de roldão
*
Hoje eu sinto falta
Da tal bomba derradeira
A que numa nuvem alta
Explode o mundo de primeira
*
Pois mais triste é este mundo
Que desfaz-se em mil pedaços
Sem rima
Sem métrica
Em Gaza ou no Rio de Janeiro
O mundo que acaba
Mais um pouco todo dia

3 comentários:

kahmei disse...

morte lenta
a duras penas...
e o tal botão
ainda está inerte...
..
abraço

Diogo disse...

há um poeta imóvel
no meio da rua.
não é anjo bobo
que vive de brisa,
nem é canibal
que come carne crua.
não vende gravatas,
não prega sermão,
não teme o inferno,
não reclama o céu.
é um poeta apenas
sob seu chapéu.
à sua volta, o trânsito
escorre, raivoso,
e o semáforo muda,
célere, os sinais.
mas o poeta não sai
de seu lugar. jamais.
diz um padre: - “é pecador.
blasfemou, praticou
fornicação, assalto.
por castigo ficou
atado ao asfalto.”
diz um rico: - “é anarquista,
que mastiga pólvora,
que bebe cerveja
e espera a explosão
da bomba sobre a igreja.”
diz um soldado: - “ é agente
de potência estrangeira.
aguarda seus cúmplices,
ocultos em algum
lugar desta ladeira.”
diz um doutor: - “ é vítima
de mal perigoso.
está paralítico,
ou talvez nefrítico,
ou então leproso.”
ante notícias
tão contraditórias,
há queda na bolsa,
pânico na sé.
cai o ministério,
e foge o doutor,
o padre, o soldado,
o rico, o ministro,
o governador.
sem donos, o povo
livra-se de impostos,
sem padres, o povo
livra-se da missa,
sem doutores, o povo
livra-se da morte.
as ruas se animam
de vozes, de cores,
de pessoas, pregões,
abraços, canções.
e, no meio da rua,
sob seu chapéu,
sob o azul do céu,
o poeta sorri, completo,
feliz.

José Paulo Paes

abraço

Jean Baptiste disse...

E rebentou a poesia, tal qual estouro de boiada, ganhando os campos, atropelando quem estiver no caminho!