sábado, 24 de novembro de 2007

Feedback

O dom de dar a vida? Orgasmos múltiplos? Não pagar a conta do restaurante? Não, nada disso. Talvez o aspecto mais doce da condição feminina seja a absoluta facilidade de dar vazão a mais terrena das vontades, ao comportamento humano por excelência: O desejo de vingança.

Ana tinha a materialização desse desejo ali, bem na sua frente, personificada no marido de Cecília. Levemente barrigudo, com um crônico ar de cansaço, agravado pelas olheiras de nascença, Murilo bebia uma cerveja direto na lata quando topou com a amiga e colega de trabalho de sua esposa.

Ele tinha tudo de que Ana precisava naquele momento. Uma carência evidente, um pau duro e um senso de moral flexível o bastante para se afogar nas carnes quentes da melhor amiga de sua mulher. O olhar de Murilo, capturado em pleno vôo pelo decote de Ana, denunciou a facilidade com que o intento sórdido da vingadora lograria êxito.

Foi ali, naquele olhar, que Cecília encornou. Cecília já era traída naquele olhar, muito antes de Ana ser penetrada com vigor por um Murilo sedento das perversões que lhe eram negadas pelos pudores da mulher. Naquele minuto em que os dois partícipes do adultério trocavam olhares e risinhos em frente ao barzinho, começara a traição de Murilo e o gozo de Ana. Muito antes de eles se lambuzarem de fluidos e calores, num motel luxuoso que o marido adúltero pagou sem discutir.

Cada vez que Murilo socava a peia em suas cavidades, Ana gozava duplamente, era como se vingança se espalhasse pelo sangue e inundasse todos os seus órgãos. As estocadas do arfante Murilo eram as facadas no coração de Cecília, que Ana sonhava em aplicar desde o resultado final do processo seletivo em que a primeira ficara com a vaga de chefia que a segunda tanto almejara.

Cessados os gemidos, gritos, e arranhões, Ana entregou-se a um longo banho morno, durante o qual o sexo selvagem e redentor de minutos antes deixava o corpo para ir morar na memória. Enquanto a água lavava o corpo, a mente conspurcava-se ainda mais. A facilidade com que levara a cabo aquela pequena vingança fazia a imaginação viajar. Logo ela se viu pensando em facadas, não mais metafóricas, mas reais. Já tomara para si o marido de Cecília. Por que não a tomar também a vaga?

Segundo o feedback dado pela comissão avaliadora, faltava a Ana a capacidade de fazer planejamentos de longo prazo, e isso foi determinante para que ela fosse preterida e Cecília entrasse em seu lugar. Bem, estava na hora de provar que os avaliadores estavam errados. Num banho de quinze minutos, Ana planejou sua vida dali a um ano. Se viu promovida, viu Cecília morta e Murilo na cadeia.

Sim, na cadeia. Afinal, alguém tinha que executar o que Ana planejava e assumir a culpa sozinho. Foi pensando nisso que Ana, finalizou o banho, deixou de lado o cansaço e algumas dores e voltou para a cama, para mais uma sessão de sexo desenfreado. A vingança ainda não havia acabado, afinal.

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